A Cangica – revista natalense
para as festas juninas.
Por Luiz Gonzaga Cortez .
A Revista A Cangica (com g mesmo), que circulou em Natal nos anos 30, editada por Francisco Tibyro, não tem páginas numeradas nem o nome da tipografia que imprimiu o número 06, junho de 1931, que eu tenho em mãos como preciosa relíquia documental das festas sãojoanescas do passado. Creio que existam outros exemplares na Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico do RN, em sebos e colecionadores. Além de não registrar nenhuma menção ao folclorista Luís da Câmara Cascudo, nesta edição (não conheço as anteriores), a página que seria a dois das 48 páginas, caso estivessem numeradas, traz uma revelação importante para mim. Um simples anúncio de bar é uma prova inconteste de que a expressão “lunche”, que originou o nosso lanche, já era usual em 1931, em Natal. Portanto, muitos anos antes da chegada dos americanos em Natal, durante a Segunda Guerra (1942/1946). Então, é conversa fiada que lanche “pegou” em Natal por causa dos americanos. O simplório anúncio do “Aéro-Bar”, de Vicente Romano, tinha o seguinte texto: “O mais completo e hygienico serviço de bar. Sorvetes, cremes, refrescos, frios, leite, qualhada, lunches, chocolatres, café, bolos, bebidas geladas, etc. Activo serviço de garçons.Avenida Tavares de Lyra – Ribeira”.
Para os padrões modernos, A Cangica recebia bom respaldo privado, principalmente de farmácias, armazéns, bares, restaurantes, importadores de veículos e máquinas de Natal e Macaíba, e estrangeiros. Sim, há uma publicidade da “Companhia Générale Aeropostale – C.G.A. – Serviço Postal Aéreo – Europa – Africa –Sul America”, que funcionava na Avenida Tavares de Lyra,34, que anunciava “Correio para todas as partes do mundo”, na sexta-feira para o sul e no sábado para a Europa.
Naqueles tempos as mulheres não usavam bolsas, mas carteiras, conforme anúncio de página inteira da firma A. Mesquita & Cia, na praça Augusto Severo, que tinha a loja “Natal Modelo” com “a mais alta novidade em chapéos para homens, senhoras e creanças”. Além de anúncios dos bares como a Cova da Onça, de Leite & Cia. dentre outros,há outros de O Bazar Carioca, de Pedro Affonso, Carlos Elihimas & Companhia, Agencia Internacional, Fábrica de Cigarros Vigilante, etc. Seria cansativo registrar todos os anúncios dos comerciantes da Ribeira e Cidade Alta. Publicidade oficial não há, assim como nenhum registro de atividade política. Só São João. Crônicas, sonetos, poemas, contos e pequenas histórias, algumas simplórias. O poeta Jayme Wanderley é um dos que ocupam mais espaços na revista e autor do editorial “O calor das fogueiras”, do qual transcrevo um trecho sobre os folguedos saojanescos daqueles tempos, mantendo a grafia da época: “As morenas timoratas, aquellas cujos olhos luminosos de esperanças rodeiam as mezas das advinhações caseiras; aquelas que procuram um prato tradicional de cangica, não a cabeça ensangüentada de um amoroso e romântico apaixonado, mas que cubiçam e cuidam encontrar a aliança que foi jogada no tacho fervente do doce gostoso, para saber o bom ou mau prenuncio, que lhes pode advir do casamento, as travessas, as inquietas, as deliciosas raparigas que fazem o sonho promissor depois dos jejuns, de sortilégios e rezas suspeitas, para ver se logram ou não a conquista do amor por que anseiam; as que brincam á margem das fogueiras crepitadoras, que alteiam a chamma entre improvisados jardins nos terreiros das vivendas em festas e se casam e se baptisam e se tomam de afinidades familiares, entre o alarido da creançada, o estalejar da lenha verde ardendo e a toada monótona dos violeiros adestrados, que rebatem e repinicam o hexacordio melodioso, de cujo bojo sonoro se desprende o rytmo suggestivo das CAPELLINHAS DE MELÃO e da scenas bizarras dos PASTORIS , todas essas bonecas anonymas, sereias de exquesitas seduções, imbuídas de superstições e de crendices, se illudem para enganar a alma que precisa de illusões”. Ufa!.
Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador
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