sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Nos tempos do integralismo.(II)


Cascudo não renegou o seu passado integralista.

Luiz Gonzaga Cortez

31/12/10

Diversos veículos de comunicação social do país, nos dois últimos anos, principalmente em 1999, em função do seu centenário do nascimento e do quarto centenário de Natal, publicaram reportagens, entrevistas e artigos diversos sobre o escritor natalense Luís da Câmara Cascudo, um dos monumentos da cultura norte-rio-grandense. E por ter sido uma figura de proa da inteligência da terra, Cascudo, que não era gênio, presunçoso, antipático nem vivia com o rei na barriga, como muitos intelectuais conterrâneos, foi uma figura ímpar, simples, modesto e digno. E dentro dessa dignidade, há um detalhe honestíssimo que não pode ser maculado por ninguém: ele jamais renegou a ideologia integralista.

Os intelectuais potiguares que participaram da Ação Integralista Brasileira-AIB ( a versão brasileira das exterioridades do fascismo,  fundada pelo jornalista Plínio Salgado, em 1932) e que tiveram atuações mais destacada foram Luís da Câmara Cascudo, Manuel Rodrigues de Melo, Otto de Brito Guerra, Antonio Soares de Araújo Filho, Edmundo de Melo Lima, Valdemar de Almeida, Hélio Galvão e José Augusto Rodrigues, entre outros. Nenhum deles renegou o seu passado integralista, ideologia que reunia cristianismo, nacionalismo, indianismo, respeito aos grupos étnicos e os direitos humanos, sob o lema de "Deus, Pátria e Família". Há quem assegure que esse lema surgiu numa loja maçônica do Rio de Janeiro, segundo o falecido desembargador Newton Pinto. Havia admiradores de Mussolini e Hitler nas fileiras da AIB em todo o país, entre 1932/1937, principalmente no sul. Gustavo Barroso, historiador cearense, era o principal líder da corrente anti-semita da AIB, o que motivou diversos desentendimentos com Plínio Salgado e gerou uma crise que quase levava ao rompimento total com o seu Chefe, em 1934. Plínio não admitia racismo. 


 

Mas Cascudo, que não teria sido anti-semita ( chegou a participar de cultos no Centro Israelita de Natal, na rua Felipe Camarão, Cidade Alta, mas uma professora do Departamento de História da Universidade Federal do RN detectou indícios de anti-semitismo numa obra de Cascudo) nem foi espião nazista, jamais negou que era um ex-integralista, jamais renegou a ideologia considerada eminentemente brasileira pelo sociólogo Gilberto Freyre e neo-fascista pelos comunistas e esquerdistas de vários matizes (à exceção da cúpula da Igreja Católica brasileira, que incentivou, e de muitos padres, que participaram do movimento), não se tem provas (um rumor, um boato ou uma soprada no ouvido de alguém sério) de que tenha tocado fogo nos livros, jornais, revistas, camisas, emblemas e dísticos integralistas. Foi a partir do final de 1998 que começaram a surgir declarações, atribuídas ao jornalista Fernando Luiz da Câmara Cascudo, filho do folclorista e escritor, de que Cascudo tinha renegado o integralismo e se arrependido de ter vestido camisa verde. Veja bem, somente doze anos depois da morte de Cascudo é que surgiram essas frágeis versões. Em vida, na época em que estavam vivos o dr. Otto Guerra, dr. Clóvis Travassos Sarinho, Manuel Rodrigues, Hélio Galvão e Manuel Genésio Cortez Gomes, quem se atreveu a dizer que Cascudo tinha queimado os documentos e livros integralistas? Ninguém.

Na verdade o que Cascudo abjurou (não confundir com renegou) foi a maçonaria. Nos anos 30/40, Cascudo foi forçado pela Igreja Católica a abjurar a maçonaria, pois caso contrário, não receberia a comenda da Ordem de São Gregório Magno, no grau de Cavaleiro, concedido pelo Vaticano. Informa o historiador Olavo de Medeiros Filho que o bispo de Natal, Dom Marcolino Dantas entregou as comendas a Ulisses Celestino de Góis, Hélio Mamede de Freitas Galvão, Otto de Brito Guerra e Luís da Câmara Cascudo, todos integralistas, na época, após assegurar-se que Cascudinho não era mais maçom. Outra figura conhecida na cidade, mas que não foi integralista, mas abjurou a maçonaria foi o tabelião Theodorico Guilherme, pai do notário José Maria Guilherme, autor do livro "José". Naquela época, ainda existiam ranços da briga da Igreja X Maçonaria ocorrida no século XIX. Em 1939, quando o Vaticano mantinha relações estreitíssimas com o "Duce" Benito Mussolini, Cascudo recebeu a sua mais importante comenda, a de cavaleiro da Coroa da Itália, proposta por Mussolini e aprovada e concedida por Sua Magestade Vittorio Emanuele III, "Per Grazia Di Dio e Per Volontá Della Nazzione". Mas o escritor José Melquíades de Macedo defendeu em fevereiro de 2000, a versão de que Cascudo abandonou a maçonaria, "por outras questões, talvez particulares". Mas em novembro de 2000, no bar de Lourival, o grande professor Melquíades disse que eu tinha razão ( ele se referia às minhas matérias, inclusive este artigo, publicadas nos jornais Diario de Natal e Tribuna do Norte), acrescentando que Theodorico Guilherme também tinha abjurado. O interessante ( não sei se por ironia da história ou desinformação) é que na entrada do prédio do antigo QG da Guarnição do Exército em Natal, a ID/7, onde hoje está o Memorial Câmara Cascudo, em 1988 foi afixada uma placa do Grande Oriente do Estado do Rio Grande do Norte – Federado ao Grande Oriente do Brasil, através da Loja Evolução Segunda (Natal/Rn) com a seguinte legenda: "Homenagem ao Mestre Maçon Luiz da Câmara Cascudo"- Iniciado em 03.04.1920 – Exaltado em 09.09.1921 , Natal, RN, 20 de agosto de 1988, Paulo Viana Nunes, Grão Mestre Estadual.

E mais: na década de 50, quase 20 anos após a extinção da AIB, quando os integralistas estavam reagrupados no Partido de Representação Popular-PRP, também criado por Plínio Salgado, Câmara Cascudo, apesar de afastado da militância política (não se filiou ao PRP), assinava os jornais integralistas Idade Nova e A Marcha. Nas comemorações realizadas em Natal, em outubro de 1957, pelo transcurso dos 25 anos do lançamento do Manifesto Integralista de Outubro de 1932, quando Plínio Salgado lançou as bases de sua ideologia, o escritor Luís da Câmara Cascudo foi um dos mais aplaudidos oradores da solenidade realizada na sede do PRP da capital potiguar. A solenidade foi realizada num prédio do popular bairro do Alecrim, sob o comando de Clóvis Sarinho e do comerciante Rubens Massud. Disse-me uma das testemunhas: "Cascudinho fez um dos discursos mais patrióticos e contagiantes daquela noite. A base do seu discurso foi o lema do integralismo, "Deus, Pátria e Família", que ele considerou atual e que deveria ser cultuado por todos os patriotas brasileiros. Em nenhum momento, Cascudo renegou o integralismo, ao contrário, ele, 25 anos depois do Manifesto de Outubro de 1932, fez a sua defesa radical, diante de centenas de pessoas". Duas testemunhas do caloroso discurso de Cascudo residem em Natal: o aposentado Pedro Dantas (já falecido) e o professor de Direito Cleóbulo Cortez Gomes. Pedro Dantas, administrador do Cemitério Morada da Paz, em Parnamirim/Rn, na manhã do dia 22.04.2000, confirmava: "Cascudo fez um brilhante discurso de improviso e reafirmou, bela e empolgadamente, que continuava integralista". O discurso foi realizado no Alecrim Clube.

Cascudo não gostava de críticas descabidas ao integralismo, principalmente de pessoas que não tinham lido nada sobre a ideologia de Plínio Salgado. "Jamais renegou os seus princípios e não negava a sua condição de ex-integralista", escreveu o falecido médico Clóvis T. Sarinho (Fatos, Episódios e Datas que a memória gravou, Editora Nordeste, 1991, Natal, páginas 183 e 184).

Na série de reportagens que publiquei no Diário de Natal, a partir de 01 de julho de 1984 ( A Pequena História do Integralismo no RN, mais tarde republicadas em livro editado pela Fundação José Augusto e Clima), cometi o deslize de escrever que o Dr. Otto Guerra tinha declarado que Cascudo tinha renegado o integralismo. O Dr. Otto mandou uma carta de desmentido, publicada na edição de O POTI de 08.07.1984, p.10, da qual extraio o seguinte trecho: "...Minha segunda retificação prende-se ao escritor Luís da Câmara Cascudo, antigo e dedicado "Chefe Provincial"do integralismo no Rio Grande do Norte, durante algum tempo. Nunca o ouvi renegar o seu passado integralista, nem tenho provas disso. Num dos seus livros – "Viajando o Sertão"- ele fala abertamente na sua filiação integralista. Note-se que esse livro foi reeditado faz pouco tempo e Cascudo não alterou ou retirou uma linha do que antes escrevera. Seria pois grave injustiça de minha parte atribuir ao meu velho amigo e mestre, a quem tanto devo na minha formação cultural, uma atitude que desconheço".

Eduardo Maffei, escritor paulista, antigo militante comunista, já falecido, esteve em minha residência em março de 1987 e disse-me que admirava muito Cascudo e um dos motivos que lhe causava mais admiração era que ele ainda tinha idéias integralistas (Maffei conheceu-o em Recife, em abril de 1940). O fato de documento do serviço secreto dos Estados Unidos da América, da época da Segunda Guerra, considerar Cascudo como simpatizante da Alemanha (até o Papa Pio XII foi acusado de omissão diante dos crimes do nazismo), não é dado suficiente para considerá-lo como neo-nazista ou germanófilo. A propósito, muitos integralistas do Rio de Janeiro, Natal, Recife e Fernando de Noronha, trabalharam como espiões dos serviços de informações dos americanos instalados no Brasil.

Câmara Cascudo foi um dos intelectuais expoentes da Ação Integralistas Brasileira. Escreveu artigos para as publicações integralistas A Ofensiva, Panorama e Anauê, entre outras, na década de 30, até a extinção da AIB, em novembro de 1937. Apesar de não ter mais de dois mil militantes, os integralistas potiguares conseguiram que Plínio Salgado, candidato à Presidência da República em 1955 pelo PRP obtivesse boa votação em Natal. Tal fato viria influenciar o candidato a governador Aluizio Alves, em 1960, a adotar a camisa verde como símbolo principal da sua memorável e vitoriosa campanha eleitoral. Alguns desses artigos estão reunidos no livro "Câmara Cascudo, jornalista integralista", publicado pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN que, segundo o escritor Itamar de Souza, é obra indispensável para se conhecer o lado político de Luiz da Câmara Cascudo.

Observações: artigo revisado após as correções lembradas pelo escritor Sérgio Vasconcelos, em 04.12.2010.

Nos tempos do integralismo.


Cascudo e as músicas populares
Brasileiras.

 

 
Pesquisa de Luiz Gonzaga Cortez, jornalista.

 

 
O potiguar Luiz da Câmara Cascudo, cujo edifício folclórico-literário que construiu na aldeia potengina é de domínio universal, compulsando livros, fuçando bibliotecas e realizando algumas pesquisas de campo, nos anos que a sua juventude permitiu, não só foi comentarista de assuntos políticos nacionais e internacionais quando integrava a Ação Integralista Brasileira, movimento nacionalista criado pelo escritor paulista Plínio Salgado, em 1932 para se contrapor ao avanço do comunismo. Plínio foi um dos principais mentores da Semana de Arte Moderna, em 1922. Para os que não conhecem a nossa História, é bom lembrar que o movimento fascista internacional influenciou ou gerou diversos movimentos nacionais, de direita, revolucionários-nacionalistas e cristãos, apoiado pelos governos e regimes burgueses e capitalistas. No Brasil, o jornalista e escritor Plínio Salgado, católico praticante, após ler Marx e Lenine, e observar o avanço do comunismo, criou a AIB, espelhado no regime fascista de Mussolini, na Itália, que estava abençoado pelo Vaticano. O comunismo deu o primeiro passo no totalitarismo, em 1917, na implantação do regime comunista na Rússia, cujos ideais se espalharam pelo mundo. Pouco tempo depois, em 1926, Mussolini instalou o "fascio" em Roma. Aí, meus amigos, surgiu o totalitarismo de direita. Nesse contexto, Cascudo, católico, ex-monarquista, vestiu a camisa-verde dos integralistas, todos abençoados por Dom Marcolino Dantas e o professor Ulisses de Góis.Além de pesquisador, foi comentarista do primeiro time do jornal A Ofensiva, porta-voz da Ação Integralista Brasileira-AIB (1932-1937), que era editado no Rio de Janeiro. Nas minhas pesquisas sobre esse intelectual conterrâneo, encontrei um artigo de Cascudo sobre a música sertaneja, publicado em 1934, no Rio, e que não era do conhecimento dos pesquisadores da obra cascudiana, salvo engano. Leiam.

 

 
Música Sertaneja

 
Luiz da Câmara Cascudo

 
Música sertaneja, no sentido expresso do termo, nunca existiu. Para dançar dançam o que se dança no litoral. Valsas, polcas, schottichs, quadrilhas, tangos, agora maxixes, fox, rags e até rancheras, que adaptaram às corridinhas da saudosa polca-pulada. Para a sociedade rica, abastada ou mediana, não há maior desdouro que falar em sambas. Sambas não são as danças mas o próprio baile, a reunião festiva. Samba é de gentinha, dizem. O samba primitivo era uma simples dança de roda, herança do índio, em suas danças coletivas, mas sem mulheres. O português colocou o ponto, a parada com a saudação convidando para sair e também trouxe o elemento feminino para o meio. O negro colaborou com a umbigada. Samba vem de semba, que quer dizem umbigo.
A impressão geral da musica sertaneja só se pode ter ouvindo cantadores. A improvisação nos bailes é diminuta e as vitrolas acabaram matando, numa percentagem séria, a facilidade criadora do sertanejo com temas musicais. O que se nota depressa é a acomodação da melodia temática às exigências do ritmo sertanejo, ao compasso ad-libitum, com que estão habituados a fugir da própria quadratura melódica.
Mário de Andrade ("Ensaio sobre a Música Brasileira", págs. 12, 14, etc, "Comp. de Hist. da Musica", pág. 177, etc.) salientou esta coadunação libertadora . Mas distinguiu que se dava sentido melódico, caindo num movimento oratório que ia, reconhece ele, libertando-se da quadratura melódica e até do compasso. Mario registrou brilhantemente este aspecto que, para mim, é uma característica:
...esses processos de ritmica oratória, desprovida de valores de tempo musical contrastavam com a música portuguesa afeiçoada ao mensuralismo tradicional europeu. ... e a gente pode mesmo afirmar que uma ritmica mais livre, sem medição isolada musical era mais da nossa tendência, como provam tantos documentos já perfeitamente brasileiros. Muitos dos cocos, desafios, martelos, toadas, embora se sujeitando à quadratura melódica, funcionam como verdadeiros recitativos.
O Desafio não é espécie musical. É um gênero. Tem várias partes, como uma suíte, diferindo de ritmos e de tipos melódicos. Começa pela colcheia, passa à carretilha, isto é, do setissilabo para as sextilhas e atinge ao martelo, reminiscência perfeitamente clássica que o sertanejo não inventou mas recebeu dos portugueses. O martelo, com rimas alternadas, vai desde seis a dez versos em alexandrinos. O desenho melódico obrigatoriamente se modifica e, às vezes, inteiramente. O instrumento de acompanhamento, no desafio é a viola apenas; jamais solam, mas seguem em acordes menores, o recitativo puro da chamada cantoria.
Um Cantador famoso não se serve da viola senão nos intervalos das frases recitadas. Termina o canto numa fermata ou num ralentando, ambos guturais, acrescidos pelo processo de nasalação que é tão comum que melhor se dirá natural. A viola é de pinho, com seis cordas-duplas de aço, afinada por quartas, com dez e doze trastos no braço.
A preferência do cantador sertanejo, e da maioria absoluta das modinhas e cantos populares é para os tons menores, dó, ré, lá.
Os temas são deliciosamente simples. A maior influência portuguesa ainda é notada nas rodas infantis. O negro e o índio são os responsáveis pelo ritmo profundo, a obstinação rítmica que, sendo libertada pela expansão dos recitativos, nem por isso diminui de intensidade e segurança. Mas o negro, todos sabem, é mais escravo do ritmo. Veio da percussão.
O ritmo, que Mario de Andrade encontrou como a expressão mais positiva no Brasil, a síncope de sime-mínima entre colcheias no primeiro tempo de dois-por-quatro, leva para a constância da nossa melódica popular, o movimento descendente de sons rebatidos, igualmente notado pelo erudito professor do Conservatório de São Paulo.
O desenho simples não exclue a pureza, a sobriedade incrivelmente melódica, inesquecível e linda. Certas linhas são verdadeiras obras primas de naturalidade, de doçura, a um tempo meiga e triste. Nenhum traço tipicamente sertanejo em assunto musical e alegre. Tem um abrandamento, um trabalho preliminar de melancolia, para ficar ao gosto de todos. A porção maior das modinhas é em menor. Os melhores sambas de emboladas são menores. No auto popular do Bumba-Meu-Boi os tons menores são dominantes. Mario de Andrade teve a felicidade de reparar que substituímos a franqueza impositiva do português pela delicadeza mais mole e familiar. No linguajar diário dizemos mi-dê, vá-se imbóra por dê-me e vai-te embora.Assim em música o sertanejo troca a tônica presente pela mediante tonal, dando um ambiente inenarrável de malinconia.
Vivas, arrebatadas, impulsivas, folionas, o sertão só conhece as rondas das crianças.Os brinquedos-de-rodas, cirandas, ponte-da-liança, a moda-da-carrasquinha, bom-barquinho são todos em tons maiores,estimuladores de movimento e de vida. Parece, por uma ironia sutil, que desejamos dar às crianças um ambiente de despreocupação e de vivacidade irreesponsável. Homens, só saberão cantar em tons merencórios.
Daí um cantador sertanejo afirmar que: a princípio são fulôres

A choradêra é no fim...

 
Transcrito do jornal porta-voz da Ação Integralista Brasileira, Rio de Janeiro, fundado por Plínio Salgado, A Ofensiva, de 05 de julho de 1934, p.8. Reescrito em 31.12.2010.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Araponga canta como

um espião trabalha?

Luiz Gonzaga Cortez Gomes (*)


 

Observando o noticiário da imprensa nacional , os seus estrangeirismos, as suas copiações, os seus modismos e suas frescurites, além dos artigos e ensaios sérios, proveitosos, históricos e/ou culturais. Diante da série de escândalos em diversas esferas , nos últimos meses, o me chama atenção é o emprego da expressão "Araponga" para designar o agente público ou privado que se dedica a investigações policiais, a ações de espionagens legais e ilegais. Sobre esses agentes policiais e militares dos DOPS e DOI-CODI e similares, a imprensa alternativa, no final dos anos setenta do século passado, criou o apelido pejorativo de "dedo duro", objetivando menoscabar o trabalho desenvolvido pelos "agentes secretos" do regime. Com o fim do regime autoritário, a imprensa começou a tachar os espiões do governo (da ABIN, PF, polícias civis e militares de todo o Brasil, sem distinção) de "araponga". Bom, eu fiquei matutando: qual a similaridade da ave (a araponga é nosso ferreiro, o sabiá, segundo um especialista) com o trabalho do espião que, no meu entendimento, trabalha em silêncio, clandestina e anonimamente? A araponga é uma ave de canto estridente e metálico.

Você duvida? Então, leiamos o mestre Aurélio, na página 106 da 6ª edição do seu Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa (exe. s/d): "Araponga, s.f. (Bras.) Ave da família dos Cotingídeos (Chasmarhyneus nudicolis), também chamada ferreiro e ferrador, notável pelo som metálico do seu canto; (fig.) pessoa de voz estridente ou que fala gritando". Alguma dúvida, ainda? Como, então, fazer-se a comparação? Estou procurando a resposta. Procurei encontrá-la nos versos da música de Penas do Tiê, graças a ajuda de Eugênio Lima, quase doutor quase em música. "Vocês já viram lá na mata a cantoria da passarada quando vai anoitecer/ E já ouviram o canto triste da araponga anunciando que na terra vai chover.

Já experimentaram gabiroba bem madura, já viram as tardes quando vai anoitecer

E já sentiram das planícies orvalhadas o cheiro doce da frutinha muçambê...". A composição é de Keckel Tavares, foi gravada por Luís Gonzaga e Fagner (este está sendo processado pela família de Heckel por plágio). Não achei nenhuma analogia. Procurei em vários sítios da internet, nada. O leitor vai se deliciar com as referências à araponga. Há um sítio que informa sobre plumagem, hábitos, alimentação e cuidados com a araponga, sendo que um deles aconselha a criar a ave em cativeiro, pois" a plumagem é bonita e fica muita mansa". "Araponga é conhecida em todo o Brasil pelo seu grito alto e estridente. Fora de São Paulo, em outras regiões do país, ela é conhecida por Guiraponga, Ferreiro ou Ferrador, sendo que esses dois últimos nomes vêm do seu grito, que imita com perfeição o trabalho de um ferreiro, primeiramente com uma lima e a seguir com a batida estridente de um martelo sobre a bigorna. O nome araponga é indígena e vem de ara (ave) e ponga (soar)". No Brasil, há as espécimes procnias nudicolis, desde a Bahia ao Rio Grande do Sul; as procnias averano (Roraima e Nordeste), cujo habitat natural são as árvores (as arapongas não gostam de descer ao chão). Elas são bonitas: tem as asas pretas, peito branco, cabeça marrom e vários apêndices carnudos que "nascem" do seu pescoço como se fossem barba, de onde vem seu nome popular de "Araponga de Barbela". A terceira espécie é a procnias Alba, que habita o Amazonas na região do Rio Negro , mas pouco se sabe sobre ela. O potiguar pode procurar araponga nas poucas matas do litoral. Em Natal, o ecologista pode armar o seu "alçapão" no antigo Morro das Almas, hoje apelidado de Parque das Dunas. Coisa muito fácil de fazer. O natalense Alberto Lima de Souza, médico, parente meu, criador de passarinhos desde a infância, disse que na mata do Tirol podem ser encontradas ferreiros e sabiás, "aves da mesma família, da família dos Cotingídeos (Contingidae. É o Procnias nudicolis. È provável que tenha habitadoem tempois idos a nossa mata atlântica, enquanto existiam frutas de sua alimentação, Já os sabiás são aves mais delicadas nos hábitos e no canto mavioso. São da família dos Turbídeos (gênero Turdus, família Turdidae). Há uma outra ave da família Mimidae, Imitador), conhecido como sabiá da praia (Mimus saturninus). Este é encontrado facilmente nas nossas praias, gostando mesmo do convívio humano. Defronte a casa de Regina (irmã de Alberto) vislumbrei um que cantava como ninguém. Em Natal, nas matas do Tirol, habitam em profusão duas espécies de Turdus: o Turdus amaurocalinus ( sabiá de bico amarelo, sabiá poca) e o Turdus fumigatus (sabiá da mata), o sabiá que vovó chorava quando ouvia o canto. Na nossa casa em Tirol, havia um ipê roxo que era habitado por um sabiá da mata que cantava como nenhum. Era este que vovó Zefinha evocava e imitava o canto, talvez se lembrando de episódios da sua infância. O sabiá laranjeira (Turdus rufiventris) também existe no Rio Grande do Norte, em sítios e fazendas, habitando capoeiras e fazendo seus ninhos próximos das habitações humanas. Bem, meu caro Gonzaga: é o que lhe posso informar por enquanto. Um abraço grande e sempre ao seu dispor. Do primo que lhe quer bem. Alberto Lima".

Também consultei o professor e linguista Roberto de Souza Lima, irmão de Alberto, outro homem que, além de compositor, músico, cantor e intelectual, sabe história geral. À minha pergunta sobre espionagem e arapongagem, no Brasil, ele respondeu o seguinte: "Sabemos que na Europa, desde muitos anos, o FALCÃO foi utilizado para enviar mensagens,algumas até codificadas, para evitar o seu conhecimento, caso a ave caísse em mãos inimigas. Essas aves, posteriormente adestradas até para a espionagem. Com a organização das "Inteligências", muitos agentes, por analogia, passaram a receber codinomes tipo: Falcão Dourado, depois "Á guia Azul", etc. Por uma mera conjectura, acredito que ARAPONGA seja apenas uma versão tupiniquim para denominar os agentes espiões, uma vez que essa ave é tipicamente brasileira. Grande abraço. Roberto Lima".

Cabe ao leitor tirar suas deduções. O que tem a ver araponga com um espião armado, desarmado, com gravadores, grampos para escutas telefônicas, malas de 30 mil dólares para escutas ambientais, binóculos e lunetas de longo alcance, carros com placas frias e películas fumês, novos e turbinados? O que tem a ver uma ave que vive sobre árvores, em áreas próximas ao litoral, com ar puro e se alimenta de frutos nativos com agentes da segurança

Interna e externa, com fones nos ouvidos, ouvindo as conversas alheias, com ou sem autorização judicial, no interior de salas com ar-condicionado? Você sabe?

*Luiz Gonzaga Cortez.

É jornalista e pesquisador.

O Pássaro Branco.

 


 

O "PÁSSARO BRANCO"


 

Laélio Ferreira (pesquisador, poeta)
 

Numa madrugada de muita chuva e relâmpago, voando baixo e sem nenhuma visibilidade, o monomotor Breguet passou por cima de Parnamirim, roncando.  Pouco depois, no lusco-fusco do alvorecer, os poucos moradores da Fazenda "Maracujá", em Santo Antônio do Salto da Onça, assombrados, ouviram o rojo daquele "bicho do céu" torando mato ralo no tabuleiro até parar, fumaçando, nas moitas de xiquexique.

Correu, todo mundo, para acudir. Um dos aviadores, socorrido pelo colega,  gemia baixo, com profundo corte na testa. Destroçado, o avião, pintado de branco, tinha,  na fuselagem, a figura azulada de um pássaro e uma legenda: "L'Oiseau Blanche"  ("O Pássaro Branco").

Começara mal, para os tripulantes, o raiar do dia 17 de dezembro de 1929. Voando a 150 kms por hora, com um moderníssimo motor Lorraine de 450 HPs, tinham saído de Sevilha (La Tablada), na Espanha, 48 horas antes da queda, ao meio-dia de 15 de dezembro. Haviam sobrevoado o Marrocos e a Mauritânia – de onde, em Port Etienne, embicaram na direção da América do Sul. Natal e Parnamirim serviriam apenas como pontos de referência. A meta, o recorde que buscavam, era chegar a Montevidéu, no Uruguai,  sem escalas. São Pedro e a tempestade não permitiram! Viram, de longe, do mar, o piscar do farol da Fortaleza dos Reis Magos. Neca de Parnamirim, da pista dos franceses da Aeropostale! Tudo breu, escuridão!

Molhado, sangrando na testa, o fidalgo Capitão León Challe, do Exército francês, herói condecorado na Grande Guerra, filho de general, detentor de mais de uma dezena de recordes mundiais de aviação, é acolhido com carinho por um casal de velhos, na humilde casinha de taipa e chão batido. O Tenente-Coronel Tydeo Larre Borges, do Exército uruguaio, na solidária companhia de vaqueiros, vai pedir socorro na vizinha Fazenda "Jucá", de Epaminondas Martins, por coincidência Prefeito do município.

Larre Borges, nesse final de década (1929), já era figura legendária no Uruguai e tinha, tanto quanto o francês Challe, renome internacional. Dois anos antes, em 03 de março de 1927, comandando um hidroavião, o "Uruguay", caiu no litoral marroquino (Guad Fatma) e com   três companheiros de vôo foi capturado por nômades do deserto, que pediram resgate de 5.000 pesetas ao governo do Marrocos Espanhol. No dia 05, os franceses da Aeropostale, Ville e Mermoz, baseados em Cap Juby, localizaram os restos da aeronave. Presos aos lombos de camelos, os uruguaios foram localizados, do ar, no dia 07, por Guillaumet e Riguelle. Exupéry – aquele mesmo, o do "Pequeno Príncipe" - e Reine, no dia seguinte, chegam ao acampamento dos seqüestradores, em Puerto Casando, para negociar. Os árabes, alvoroçados, resolvem aumentar o preço para a soltura de Larre e seus companheiros. Estabelecida a confusão, três reféns correm para o Breguet de Reine. Borges, num golpe de sorte, entre tiros e desaforos em três idiomas, também se escafede no outro avião, com Saint-Exupéry.

Um dos pilotos resgatados foi o Capitão José Luis Ibarra. Coincidentemente ele e Larre Borges foram, no Campo dos Afonsos, colegas de turma do Sargento João Menezes, falecido em 1920, natalense, com quem fizeram larga amizade, no Rio. O diabo é que – vamos ver - a terra do Sargento não tratou muito bem o oficial uruguaio!

Depois da estadia forçada no Rio Grande do Norte, obtendo alta León Challe, partiram os aviadores, no dia 22, para Montevidéu, onde foram homenageados. Além do pouso não previsto,  do acidente, um incidente lamentável marcaria a passagem do futuro Brigadier General Larre Borges por Natal. Sem dúvida dolorido na alma e no corpo, acompanhando, no hospital, o tratamento do companheiro francês e amargando a derrota por não ter concluído o reide, ao não aceitar um intempestivo e provinciano convite para "um banquete de homenagem" na Escola Doméstica de Natal – na época era "chiquérrimo" ! –, o grande aviador entrou em rota de colisão com os costumes locais, provocando a ira da elite e o conseqüente ataque impiedoso da imprensa, açulada pelo padre João da Matta.

Dias depois, de Montevidéu, com elegância, procurou desfazer o "imbróglio" constrangedor. Em cartas aos jornais da cidade, em bom português, afiançou a antiga admiração pelo Brasil, a convivência cordial com os brasileiros e a passagem pelo Campo dos Afonsos, revelando, ainda – para surpresa de muitos – ser a esposa (Elena Gallarreta Urrutia), a mãe dos seus filhos, brasileira ! Morreu de saudade, o Brigadier General, em 1984, aos noventa anos, uma semana depois da morte da sua Elena – com quem viveu setenta.



 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Maria do Céu, uma curraisnovense de caráter.

Maria do Céu não viu aparecer

nenhum herói na insurreição


 

Luiz Gonzaga Cortez *


 

No dia 21 de abril de 1987, Maria do Céu Pereira Fernandes, que foi a primeira deputada estadual do Rio Grande do Norte, irmã do falecido ex-governador José Cortez Pereira de Araújo (filha de Olindina Pegado Cortez, irmã da minha avó paterna), prima legítima do meu pai, Manoel Genésio Cortez Gomes, me concedeu uma entrevista na residência do seu filho Paulo de Tarso, em Natal, publicada no extinto semanário Dois Pontos. Eis o teor da entrevista:

Como a sociedade recebeu o lançamento da sua candidatura pelo Partido Popular?

MC – Naquele tempo, eu fazia o que queria. Lia livros proibidos, inclusive sobre comunismo e Freud. Sobre comunismo, por exemplo, eu li muito, mas não aceitei a ideologia. Mas sobre a receptividade da minha candidatura posso dizer que os remanescentes do tradicionalismo não aceitaram. Houve um certo impacto no começo, mas depois a Igreja aceitou. Não houve choque nenhum, todos aceitaram.

E o seu pai, político tradicional e conhecido coronel da política de Currais Novos, como viu a sua candidatura?

MC – Eu tinha 24 anos naquela época. Sou de novembro de 1910. Papai não queria que eu fosse candidata, mas não tomei conhecimento porque o que eu fazia era o que achava certo. Veja bem, em 1934, eu tinha amigos e amigas, o que não era comum naquele tempo. Com amigos, eu passeava e viajava. Você já pensou uma mulher de 24 anos passear na cidade com amigos? Passeava com Mário Porto, Eider Trindade e outros grandes amigos. Fui eleita com o apoio do meu pai, Vivaldo Pereira, e do meu noivo, Aristófanes Fernandes.

Logo após a eleição dos deputados para a Assembléia Constituinte Estadual ocorreu a revolta dos cabos e soldados do 21º Batalhão de Caçadores do Exército, em Natal. Como a sra. viu a revolta?

MC – Até gostei de ter havido a revolução comunista. Eu gostei que os comunistas tivessem se rebelado. Gostei porque eles eram idealistas, mas não porque quisesse participar, não. O Brasil estava se tornando horrível. Lendo o livro "Olga", de Fernando Morais, a gente fica sabendo como os comunistas eram idealistas, mas não tinham meios, coitados, de dominar o Brasil. Como eles iriam vencer num país-continente como o nosso? Como iriam arregimentar gente e recursos para que pudesse haver um congraçamento de norte a sul? Se eles tivessem se levantado de norte a sul, teriam conseguido a vitória. E foi bom assim porque o povo brasileiro não está preparado para o comunismo. Ainda hoje o Brasil não comporta o regime comunista, mesmo com toda a miséria e ignorância.

A sra. tem alguma admiração pelo comunismo?

MC – Há muita coisa que não aceitamos no comunismo da União Soviética e de Cuba. Eu tenho uma admiração e entusiasmo por Fidel Castro. Cuba não é o regime ideal, mas só o fato de Fidel tirar o povo da situação anterior já é grande coisa.

A sra. era de direita?

MC – É, eu era de direita total. Hoje sou de esquerda. Meu pai era um homem de direita, de muita autoridade, mas eu não baixava a cabeça pra ele; ele me ouvia e não discutia comigo, mas era um tipo de patriarca. Embora como pai tivesse ternura pelos filhos, mantinha uma certa distância de nós. (Em 1924, perdi a minha mãe e passei a confiar mais no meu pai).

Que lições tirou desse período?

MC – Casada, procurando aproveitar uma outra situação, escondendo o real, aprendi a "engolir" alguns fatos, a aparentar outra coisa, aquilo que não estava mais vivendo. Quase fico maluca (risos). Não tenho porque alimentar minhocas, cheguei aos 76 anos de idade e não há mais o que mudar. Boto tudo pra fora o que sinto. E vou continuar assim, embora ache que esteja perto de terminar.

Que conselhos a sra. daria às mulheres de hoje?

MC – A mulher deve ser rebelde até certo ponto. Quando ela está convicta que seus objetivos estão certos, deve lutar até o fim. Apesar de sempre ter sido uma mulher rebelde, eu vivi muito bem com o meu marido.

E a política daquele tempo?

MC – Naquele tempo se pensava em fazer alguma coisa pelo povo, mas isso já era utópico. Quando se entra no governo, a gente pensa muito pelos pobres. Por isso, aconselho Geraldo Melo, em que não votei porque não me recadastrei, que olhe mais para quem não tem e olhe menos para quem tem muito. Hoje só se faz política com muito dinheiro, só se elege quem tem dinheiro. Naquele tempo, os coronéis mandavam na política, mandavam votar em quem eles queriam, mas não se comprava votos. As campanhas eram bonitas. Fazíamos campanhas e comícios em cima de caminhões. E assim a gente falava para o povo e pedia votos.

A história registra que a campanha política de 1934 foi muito agitada. Há o famoso episódio do tiroteio de Parelhas que redundou numa morte.

MC – Eu não fui a Parelhas, fiquei em Acari. Por isso, não posso falar sobre esse tiroteio.

E o governo Mário Câmara, antecessor de Rafael Fernandes, cuja administração a sra. apoiou como membro da bancada do Partido Popular?

MC – Se foi um período de violências, eu não sei. Acho que houve alguma violência, mas há muitas controvérsias sobre isso, não é? Houve o caso do assassinato do filho de Juvenal Lamartine, Otávio, mas um grande amigo meu constituinte daquele tempo, rebate essa acusação de que Mário Câmara foi o responsável. Fomos obrigados a ir para a Paraíba, por causa da tensão reinante em Natal. Na Paraíba, o governador Argemiro Figueiredo, recebeu e hospedou os 14 deputados do Partido Popular. Forças federais garantiram o regresso a Natal, que encontramos deserta. Aqui, os 14 deputados ficaram hospedados na casa de Alberto Roselli, amigo nosso. A casa ficava no Grande Ponto e, no dia seguinte, muita gente querendo nos ver. Ficamos na casa de Alberto Roselli até o dia da votação indireta na Assembléia Legislativa, que funcionava na rua Junqueira Ayres, onde hoje está a Ordem dos Advogados. A eleição dos deputados foi muito agitada, mas a eleição de Rafael Fernandes foi pacífica. Os catorze deputados ficaram unidos e coesos e elegemos Rafael Fernandes por um voto de maioria. Foi uma vitória sofrida e bonita. Depois da votação, saímos do prédio da Assembléia para buscar Rafael Fernandes. No meio desse povo, eu era a única mulher.

A sra. recebeu ameaça de morte?

MC – Bom, na época da campanha houve algumas ameaças. Por três vezes, entraram na minha residência para me seqüestrar. Uma vez senti que um homem estava no banheiro da minha casa e gritei. As pessoas que estavam em minha casa viram o homem pulando o muro e desaparecer, na rua 13 de Maio (hoje Princesa Isabel). Em seguida, forças federais vigiaram a minha casa até 1935.

Acredita que as demissões de guardas civis, nomeados por Mário Câmara, precipitaram a insurreição do 21º BC?

MC – A insurreição de 35 não foi eminentemente comunista. A coisa já vinha lá do sul, mas aqui anteciparam um pouco, pois não era para estourar no dia 23 de novembro. Essa antecipação favoreceu o governo de Getúlio Vargas, pois se eles estivessem articulados de norte a sul, acredito que não teria fracassado. Mas voltando ao caso das demissões dos guardas civis, creio que eles favoreceram a rebelião. Na época, eu disse ao monsenhor Mata (presidente da Assembléia Legislativa e membro do PP): "Sou uma pessoa disciplinada, mas não aceito certas coisas. Eu não sou uma ovelha que segue um só rebanho para deixar de lado a minha discordância com as demissões. Quanto a antecipação da revolta por causa das demissões feitas pelo governador Rafael Fernandes, não posso garantir, mas pode ter influenciado. Foram mais de 300 pais de famílias demitidos em poucos dias.

Chegou a ver atos de heroísmo durante a revolta?

MC – Não. Quando estourou a revolução eu estava no Teatro Carlos Gomes. Fui obrigada, muitas vezes, a me arrastar e me esgueirar no meio do mato. Chegamos na casa de José Mesquita, na avenida Deodoro, onde hoje fica o edifício Chácara 402. Passamos o resto da noite lá e, de manhã cedo, caminhamos para a praia do Meio. Durante o governo revolucionário não sofremos nada, não sei porque. Sabíamos que um dos líderes da revolução era José Macedo, natural de Santana do Matos e, parece, que ele mandou que a nossa família fosse respeitada. Dos quatro dias que passamos na praia só me lembro que faltaram alguns alimentos em Natal. Soube que alguns seguidores de José Augusto, do Partido Popular, em Macaíba, participaram da insurreição, mas não sei porque. Por ouvir dizer, em Macaíba, sei da participação de Alfredo Mesquita na insurreição. A insurreição comunista foi uma surpresa para muita gente. Eu lia muito e sabia que alguma coisa iria acontecer, mas que não rebentaria na noite do dia 23 de novembro de 1935. Quanto a heróis, desconheço que tenha aparecido algum em Natal, durante a revolução comunista.


 


 

*Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador.