sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Nos tempos do integralismo.(II)


Cascudo não renegou o seu passado integralista.

Luiz Gonzaga Cortez

31/12/10

Diversos veículos de comunicação social do país, nos dois últimos anos, principalmente em 1999, em função do seu centenário do nascimento e do quarto centenário de Natal, publicaram reportagens, entrevistas e artigos diversos sobre o escritor natalense Luís da Câmara Cascudo, um dos monumentos da cultura norte-rio-grandense. E por ter sido uma figura de proa da inteligência da terra, Cascudo, que não era gênio, presunçoso, antipático nem vivia com o rei na barriga, como muitos intelectuais conterrâneos, foi uma figura ímpar, simples, modesto e digno. E dentro dessa dignidade, há um detalhe honestíssimo que não pode ser maculado por ninguém: ele jamais renegou a ideologia integralista.

Os intelectuais potiguares que participaram da Ação Integralista Brasileira-AIB ( a versão brasileira das exterioridades do fascismo,  fundada pelo jornalista Plínio Salgado, em 1932) e que tiveram atuações mais destacada foram Luís da Câmara Cascudo, Manuel Rodrigues de Melo, Otto de Brito Guerra, Antonio Soares de Araújo Filho, Edmundo de Melo Lima, Valdemar de Almeida, Hélio Galvão e José Augusto Rodrigues, entre outros. Nenhum deles renegou o seu passado integralista, ideologia que reunia cristianismo, nacionalismo, indianismo, respeito aos grupos étnicos e os direitos humanos, sob o lema de "Deus, Pátria e Família". Há quem assegure que esse lema surgiu numa loja maçônica do Rio de Janeiro, segundo o falecido desembargador Newton Pinto. Havia admiradores de Mussolini e Hitler nas fileiras da AIB em todo o país, entre 1932/1937, principalmente no sul. Gustavo Barroso, historiador cearense, era o principal líder da corrente anti-semita da AIB, o que motivou diversos desentendimentos com Plínio Salgado e gerou uma crise que quase levava ao rompimento total com o seu Chefe, em 1934. Plínio não admitia racismo. 


 

Mas Cascudo, que não teria sido anti-semita ( chegou a participar de cultos no Centro Israelita de Natal, na rua Felipe Camarão, Cidade Alta, mas uma professora do Departamento de História da Universidade Federal do RN detectou indícios de anti-semitismo numa obra de Cascudo) nem foi espião nazista, jamais negou que era um ex-integralista, jamais renegou a ideologia considerada eminentemente brasileira pelo sociólogo Gilberto Freyre e neo-fascista pelos comunistas e esquerdistas de vários matizes (à exceção da cúpula da Igreja Católica brasileira, que incentivou, e de muitos padres, que participaram do movimento), não se tem provas (um rumor, um boato ou uma soprada no ouvido de alguém sério) de que tenha tocado fogo nos livros, jornais, revistas, camisas, emblemas e dísticos integralistas. Foi a partir do final de 1998 que começaram a surgir declarações, atribuídas ao jornalista Fernando Luiz da Câmara Cascudo, filho do folclorista e escritor, de que Cascudo tinha renegado o integralismo e se arrependido de ter vestido camisa verde. Veja bem, somente doze anos depois da morte de Cascudo é que surgiram essas frágeis versões. Em vida, na época em que estavam vivos o dr. Otto Guerra, dr. Clóvis Travassos Sarinho, Manuel Rodrigues, Hélio Galvão e Manuel Genésio Cortez Gomes, quem se atreveu a dizer que Cascudo tinha queimado os documentos e livros integralistas? Ninguém.

Na verdade o que Cascudo abjurou (não confundir com renegou) foi a maçonaria. Nos anos 30/40, Cascudo foi forçado pela Igreja Católica a abjurar a maçonaria, pois caso contrário, não receberia a comenda da Ordem de São Gregório Magno, no grau de Cavaleiro, concedido pelo Vaticano. Informa o historiador Olavo de Medeiros Filho que o bispo de Natal, Dom Marcolino Dantas entregou as comendas a Ulisses Celestino de Góis, Hélio Mamede de Freitas Galvão, Otto de Brito Guerra e Luís da Câmara Cascudo, todos integralistas, na época, após assegurar-se que Cascudinho não era mais maçom. Outra figura conhecida na cidade, mas que não foi integralista, mas abjurou a maçonaria foi o tabelião Theodorico Guilherme, pai do notário José Maria Guilherme, autor do livro "José". Naquela época, ainda existiam ranços da briga da Igreja X Maçonaria ocorrida no século XIX. Em 1939, quando o Vaticano mantinha relações estreitíssimas com o "Duce" Benito Mussolini, Cascudo recebeu a sua mais importante comenda, a de cavaleiro da Coroa da Itália, proposta por Mussolini e aprovada e concedida por Sua Magestade Vittorio Emanuele III, "Per Grazia Di Dio e Per Volontá Della Nazzione". Mas o escritor José Melquíades de Macedo defendeu em fevereiro de 2000, a versão de que Cascudo abandonou a maçonaria, "por outras questões, talvez particulares". Mas em novembro de 2000, no bar de Lourival, o grande professor Melquíades disse que eu tinha razão ( ele se referia às minhas matérias, inclusive este artigo, publicadas nos jornais Diario de Natal e Tribuna do Norte), acrescentando que Theodorico Guilherme também tinha abjurado. O interessante ( não sei se por ironia da história ou desinformação) é que na entrada do prédio do antigo QG da Guarnição do Exército em Natal, a ID/7, onde hoje está o Memorial Câmara Cascudo, em 1988 foi afixada uma placa do Grande Oriente do Estado do Rio Grande do Norte – Federado ao Grande Oriente do Brasil, através da Loja Evolução Segunda (Natal/Rn) com a seguinte legenda: "Homenagem ao Mestre Maçon Luiz da Câmara Cascudo"- Iniciado em 03.04.1920 – Exaltado em 09.09.1921 , Natal, RN, 20 de agosto de 1988, Paulo Viana Nunes, Grão Mestre Estadual.

E mais: na década de 50, quase 20 anos após a extinção da AIB, quando os integralistas estavam reagrupados no Partido de Representação Popular-PRP, também criado por Plínio Salgado, Câmara Cascudo, apesar de afastado da militância política (não se filiou ao PRP), assinava os jornais integralistas Idade Nova e A Marcha. Nas comemorações realizadas em Natal, em outubro de 1957, pelo transcurso dos 25 anos do lançamento do Manifesto Integralista de Outubro de 1932, quando Plínio Salgado lançou as bases de sua ideologia, o escritor Luís da Câmara Cascudo foi um dos mais aplaudidos oradores da solenidade realizada na sede do PRP da capital potiguar. A solenidade foi realizada num prédio do popular bairro do Alecrim, sob o comando de Clóvis Sarinho e do comerciante Rubens Massud. Disse-me uma das testemunhas: "Cascudinho fez um dos discursos mais patrióticos e contagiantes daquela noite. A base do seu discurso foi o lema do integralismo, "Deus, Pátria e Família", que ele considerou atual e que deveria ser cultuado por todos os patriotas brasileiros. Em nenhum momento, Cascudo renegou o integralismo, ao contrário, ele, 25 anos depois do Manifesto de Outubro de 1932, fez a sua defesa radical, diante de centenas de pessoas". Duas testemunhas do caloroso discurso de Cascudo residem em Natal: o aposentado Pedro Dantas (já falecido) e o professor de Direito Cleóbulo Cortez Gomes. Pedro Dantas, administrador do Cemitério Morada da Paz, em Parnamirim/Rn, na manhã do dia 22.04.2000, confirmava: "Cascudo fez um brilhante discurso de improviso e reafirmou, bela e empolgadamente, que continuava integralista". O discurso foi realizado no Alecrim Clube.

Cascudo não gostava de críticas descabidas ao integralismo, principalmente de pessoas que não tinham lido nada sobre a ideologia de Plínio Salgado. "Jamais renegou os seus princípios e não negava a sua condição de ex-integralista", escreveu o falecido médico Clóvis T. Sarinho (Fatos, Episódios e Datas que a memória gravou, Editora Nordeste, 1991, Natal, páginas 183 e 184).

Na série de reportagens que publiquei no Diário de Natal, a partir de 01 de julho de 1984 ( A Pequena História do Integralismo no RN, mais tarde republicadas em livro editado pela Fundação José Augusto e Clima), cometi o deslize de escrever que o Dr. Otto Guerra tinha declarado que Cascudo tinha renegado o integralismo. O Dr. Otto mandou uma carta de desmentido, publicada na edição de O POTI de 08.07.1984, p.10, da qual extraio o seguinte trecho: "...Minha segunda retificação prende-se ao escritor Luís da Câmara Cascudo, antigo e dedicado "Chefe Provincial"do integralismo no Rio Grande do Norte, durante algum tempo. Nunca o ouvi renegar o seu passado integralista, nem tenho provas disso. Num dos seus livros – "Viajando o Sertão"- ele fala abertamente na sua filiação integralista. Note-se que esse livro foi reeditado faz pouco tempo e Cascudo não alterou ou retirou uma linha do que antes escrevera. Seria pois grave injustiça de minha parte atribuir ao meu velho amigo e mestre, a quem tanto devo na minha formação cultural, uma atitude que desconheço".

Eduardo Maffei, escritor paulista, antigo militante comunista, já falecido, esteve em minha residência em março de 1987 e disse-me que admirava muito Cascudo e um dos motivos que lhe causava mais admiração era que ele ainda tinha idéias integralistas (Maffei conheceu-o em Recife, em abril de 1940). O fato de documento do serviço secreto dos Estados Unidos da América, da época da Segunda Guerra, considerar Cascudo como simpatizante da Alemanha (até o Papa Pio XII foi acusado de omissão diante dos crimes do nazismo), não é dado suficiente para considerá-lo como neo-nazista ou germanófilo. A propósito, muitos integralistas do Rio de Janeiro, Natal, Recife e Fernando de Noronha, trabalharam como espiões dos serviços de informações dos americanos instalados no Brasil.

Câmara Cascudo foi um dos intelectuais expoentes da Ação Integralistas Brasileira. Escreveu artigos para as publicações integralistas A Ofensiva, Panorama e Anauê, entre outras, na década de 30, até a extinção da AIB, em novembro de 1937. Apesar de não ter mais de dois mil militantes, os integralistas potiguares conseguiram que Plínio Salgado, candidato à Presidência da República em 1955 pelo PRP obtivesse boa votação em Natal. Tal fato viria influenciar o candidato a governador Aluizio Alves, em 1960, a adotar a camisa verde como símbolo principal da sua memorável e vitoriosa campanha eleitoral. Alguns desses artigos estão reunidos no livro "Câmara Cascudo, jornalista integralista", publicado pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN que, segundo o escritor Itamar de Souza, é obra indispensável para se conhecer o lado político de Luiz da Câmara Cascudo.

Observações: artigo revisado após as correções lembradas pelo escritor Sérgio Vasconcelos, em 04.12.2010.

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