domingo, 26 de dezembro de 2010

Araponga canta como

um espião trabalha?

Luiz Gonzaga Cortez Gomes (*)


 

Observando o noticiário da imprensa nacional , os seus estrangeirismos, as suas copiações, os seus modismos e suas frescurites, além dos artigos e ensaios sérios, proveitosos, históricos e/ou culturais. Diante da série de escândalos em diversas esferas , nos últimos meses, o me chama atenção é o emprego da expressão "Araponga" para designar o agente público ou privado que se dedica a investigações policiais, a ações de espionagens legais e ilegais. Sobre esses agentes policiais e militares dos DOPS e DOI-CODI e similares, a imprensa alternativa, no final dos anos setenta do século passado, criou o apelido pejorativo de "dedo duro", objetivando menoscabar o trabalho desenvolvido pelos "agentes secretos" do regime. Com o fim do regime autoritário, a imprensa começou a tachar os espiões do governo (da ABIN, PF, polícias civis e militares de todo o Brasil, sem distinção) de "araponga". Bom, eu fiquei matutando: qual a similaridade da ave (a araponga é nosso ferreiro, o sabiá, segundo um especialista) com o trabalho do espião que, no meu entendimento, trabalha em silêncio, clandestina e anonimamente? A araponga é uma ave de canto estridente e metálico.

Você duvida? Então, leiamos o mestre Aurélio, na página 106 da 6ª edição do seu Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa (exe. s/d): "Araponga, s.f. (Bras.) Ave da família dos Cotingídeos (Chasmarhyneus nudicolis), também chamada ferreiro e ferrador, notável pelo som metálico do seu canto; (fig.) pessoa de voz estridente ou que fala gritando". Alguma dúvida, ainda? Como, então, fazer-se a comparação? Estou procurando a resposta. Procurei encontrá-la nos versos da música de Penas do Tiê, graças a ajuda de Eugênio Lima, quase doutor quase em música. "Vocês já viram lá na mata a cantoria da passarada quando vai anoitecer/ E já ouviram o canto triste da araponga anunciando que na terra vai chover.

Já experimentaram gabiroba bem madura, já viram as tardes quando vai anoitecer

E já sentiram das planícies orvalhadas o cheiro doce da frutinha muçambê...". A composição é de Keckel Tavares, foi gravada por Luís Gonzaga e Fagner (este está sendo processado pela família de Heckel por plágio). Não achei nenhuma analogia. Procurei em vários sítios da internet, nada. O leitor vai se deliciar com as referências à araponga. Há um sítio que informa sobre plumagem, hábitos, alimentação e cuidados com a araponga, sendo que um deles aconselha a criar a ave em cativeiro, pois" a plumagem é bonita e fica muita mansa". "Araponga é conhecida em todo o Brasil pelo seu grito alto e estridente. Fora de São Paulo, em outras regiões do país, ela é conhecida por Guiraponga, Ferreiro ou Ferrador, sendo que esses dois últimos nomes vêm do seu grito, que imita com perfeição o trabalho de um ferreiro, primeiramente com uma lima e a seguir com a batida estridente de um martelo sobre a bigorna. O nome araponga é indígena e vem de ara (ave) e ponga (soar)". No Brasil, há as espécimes procnias nudicolis, desde a Bahia ao Rio Grande do Sul; as procnias averano (Roraima e Nordeste), cujo habitat natural são as árvores (as arapongas não gostam de descer ao chão). Elas são bonitas: tem as asas pretas, peito branco, cabeça marrom e vários apêndices carnudos que "nascem" do seu pescoço como se fossem barba, de onde vem seu nome popular de "Araponga de Barbela". A terceira espécie é a procnias Alba, que habita o Amazonas na região do Rio Negro , mas pouco se sabe sobre ela. O potiguar pode procurar araponga nas poucas matas do litoral. Em Natal, o ecologista pode armar o seu "alçapão" no antigo Morro das Almas, hoje apelidado de Parque das Dunas. Coisa muito fácil de fazer. O natalense Alberto Lima de Souza, médico, parente meu, criador de passarinhos desde a infância, disse que na mata do Tirol podem ser encontradas ferreiros e sabiás, "aves da mesma família, da família dos Cotingídeos (Contingidae. É o Procnias nudicolis. È provável que tenha habitadoem tempois idos a nossa mata atlântica, enquanto existiam frutas de sua alimentação, Já os sabiás são aves mais delicadas nos hábitos e no canto mavioso. São da família dos Turbídeos (gênero Turdus, família Turdidae). Há uma outra ave da família Mimidae, Imitador), conhecido como sabiá da praia (Mimus saturninus). Este é encontrado facilmente nas nossas praias, gostando mesmo do convívio humano. Defronte a casa de Regina (irmã de Alberto) vislumbrei um que cantava como ninguém. Em Natal, nas matas do Tirol, habitam em profusão duas espécies de Turdus: o Turdus amaurocalinus ( sabiá de bico amarelo, sabiá poca) e o Turdus fumigatus (sabiá da mata), o sabiá que vovó chorava quando ouvia o canto. Na nossa casa em Tirol, havia um ipê roxo que era habitado por um sabiá da mata que cantava como nenhum. Era este que vovó Zefinha evocava e imitava o canto, talvez se lembrando de episódios da sua infância. O sabiá laranjeira (Turdus rufiventris) também existe no Rio Grande do Norte, em sítios e fazendas, habitando capoeiras e fazendo seus ninhos próximos das habitações humanas. Bem, meu caro Gonzaga: é o que lhe posso informar por enquanto. Um abraço grande e sempre ao seu dispor. Do primo que lhe quer bem. Alberto Lima".

Também consultei o professor e linguista Roberto de Souza Lima, irmão de Alberto, outro homem que, além de compositor, músico, cantor e intelectual, sabe história geral. À minha pergunta sobre espionagem e arapongagem, no Brasil, ele respondeu o seguinte: "Sabemos que na Europa, desde muitos anos, o FALCÃO foi utilizado para enviar mensagens,algumas até codificadas, para evitar o seu conhecimento, caso a ave caísse em mãos inimigas. Essas aves, posteriormente adestradas até para a espionagem. Com a organização das "Inteligências", muitos agentes, por analogia, passaram a receber codinomes tipo: Falcão Dourado, depois "Á guia Azul", etc. Por uma mera conjectura, acredito que ARAPONGA seja apenas uma versão tupiniquim para denominar os agentes espiões, uma vez que essa ave é tipicamente brasileira. Grande abraço. Roberto Lima".

Cabe ao leitor tirar suas deduções. O que tem a ver araponga com um espião armado, desarmado, com gravadores, grampos para escutas telefônicas, malas de 30 mil dólares para escutas ambientais, binóculos e lunetas de longo alcance, carros com placas frias e películas fumês, novos e turbinados? O que tem a ver uma ave que vive sobre árvores, em áreas próximas ao litoral, com ar puro e se alimenta de frutos nativos com agentes da segurança

Interna e externa, com fones nos ouvidos, ouvindo as conversas alheias, com ou sem autorização judicial, no interior de salas com ar-condicionado? Você sabe?

*Luiz Gonzaga Cortez.

É jornalista e pesquisador.

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