sábado, 12 de junho de 2010

Em 2010, ainda se comenta sobre o

Dicionário do Folclore Brasileiro,

uma obra de Cascudo mutilada .


 

Luiz Gonzaga Cortez


 

O jornalista e poeta Celso Dantas da Silveira partiu sem receber uma satisfação da editora que publicou a última edição do Dicionário do Folclore Brasileiro, de autoria do potiguar Luís da Câmara Cascudo, com a exclusão do verbete criminoso, colaboração do intelectual assuense. O Dicionário foi outro mutirão que Cascudo fez, que redundou em inúmeras transcrições de verbetes elaborados por pesquisadores e folcloristas de todo o Brasil (parte deles relacionados na página XVIII da segunda edição, de 1962, feita pelo Ministério da Educação e Cultura e o Instituto Nacional do Livro). Celso me procurou em 2002, num dos intervalos de um Circuito Cultural Banco do Brasil, em frente ao estádio Machadão, para sugerir que eu fizesse uma reportagem sobre as capações feitas na grande obra de Cascudo, isto é, a retiradas de várias verbetes publicadas em edições anteriores, sem a autorização do autor, tais como criminoso e abusão. "Não se faz uma coisa dessa, é um crime", disse-me. Em seguida, pediu para ir na sua casa para exibir as provas. E mostrou-as, além da carta eletrônica que mandou para a Editora Global, em 2002.

No imeio que Celso da Silveira mandou para global@dialdata.com.br , ele registra que constatou que na edição "Revista, atualizada e ilustrada" houve "inaceitáveis mutilações parciais e até supressões de alguns verbetes e adulterações nas chamadas remissivas que se encontram na obra básica do mestre Luís da Câmara Cascudo, em termos comparativos com a segunda edição de 1962, do INL".

"Durante 39 anos, ao longo de seis ou sete edições seguidas desse livro, foi mantido o verbete CRIMINOSO, jogo juvenil praticado nos anos 40 na cidade do Assu (RN) e Itabaiana (PB), agora suprimido pela professora Laura Della Mônica, falecida recentemente, conforme me foi comunicado pela comissão Nacional de Folclore, cuja presidência é ocupada pelo eminente folclorista pernambucano Roberto Benjamin. Mesmo respeitando a memória, seu conhecimento e erudição e reconhecendo o respeitável cabedal da doutora Laura, em etnografia e folclore, não posso deixar sem registro as lamentáveis omissões encontradas em seu trabalho. O próprio Cascudo, em texto explicativo introdutório ao DFB, diz: "ninguém estuda pré-história, história natural, geologia pelos elementos componentes, REDUZINDO, o material examinado..." e finaliza afirmando que "TODAS as coisas aqui registradas participam indissoluvelmente da existência normal do homem brasileiro". Numa rápida análise da edição Global, pode-se verificar que inúmeros verbetes remissivos foram modificados, de certa forma descaracterizando a obra original. Cito apenas alguns exemplos. Na letra C o verbete crendice pede uma chamada (edição do INL) para abusão. Na edição Global crendice mudou para superstições e suprimiu abusão, na letra A. Abusão, na edição do INL, está abonada pelo livro V, título 3, parágrafo 3 DAS "Ordenações Filipinas".

Acreditava Celso da Silveira que o trabalho da professora Laura Della Mônica foi feito "às pressas, sem revisão da autora antes da publicação" e não deu aos estudiosos as razões sobre a supressão dos verbetes da edição original de Cascudo. "Em folclore nunca se deve suprimir registros de manifestações de costumes e sim acrescer com achegas os verbetes que surgem geograficamente na cultura popular. Quanto mais abonações, mais os fatos folclóricos ampliam a importância do fenômeno lingüístico. Nunca é prudente suprimir, quanto mais quando se trata da obra de um sábio genial do quilate de Luis da Câmara Cascudo", lembrou Celso, que integrava a Comissão Estadual de Folclore do RN. Celso da Silveira fez várias gestões para receber um esclarecimento, inclusive ao seu amigo Roberto Benjamim, em 22 de abril de 2002, a quem escreveu pedindo ajuda para a restauração do verbete criminoso, que desapareceu do Dicionário do Folclore Brasileiro depois de quase 40 anos. Cascudo aproveitou o verbete após ler um artigo de Celso da Silveira no jornal A República, em 1962. A propósito, desconheço qualquer iniciativa dos herdeiros da obra de Cascudo para restaurar as supressões da última edição do DFB, mas sei que são do conhecimento deles.