Relembrando Câmara Cascudo,
O integralista amigo do meu pai
*Luiz Gonzaga Cortez
Andam dizendo por aí que eu tenho alguma coisa contra o mestre Cascudo; que o meu pai pode ter sido inimigo dele, algum interesse contrariado, alguma vindita, etc. Não, não tenho, não tive e não vou Ter nada pessoal contra Cascudo. Nunca houve motivo. Pelo contrário, eu tinha uma carta dele para mim e levei para o quartel em 1968, quando prestava serviço militar obrigatório. Servi quase onze meses no Exército, pois não tinha pistolão para ser adido no QG ou ser dispensado. Pois bem, naquele ano fui denunciado pelo pai de um amigo meu de que eu era comunista (há!, há!, há! ), fui preso , armário revistado, residência e biblioteca "visitada', sem autorização de meus pais, por 2 oficiais do Exército ( Oliveira e Adalberto). Levaram livros, objetos e cartas pessoais, inclusive a de Cascudo. Recentemente, solicitei as cartas, os objetos e os livros, mas o comandante do 16 RI disse que nada foi encontrado. Pena. Pra mim, a carta de Cascudo era muito valiosa.
Mas o meu pai, que faleceu em 1975, foi amigo de Cascudo até o fim da vida. Através dele, conheci o nosso folclorista no Instituto Histórico e Geográfico, por volta de 1964. Minha mãe, essa era fã de Cascudinho, como ela e os natalenses da sua época, chamavam o nosso escritor maior. Ela era recortava e guardava os artigos de Cascudo publicados n' A República, nas décadas de 40 e 50 ( muitos deles estão comigo).
Tudo isso estou comentando porque um jornalista, intelectual e poeta conterrâneo, que me sugeriu aprofundar uma pesquisa sobre Cascudo, pelos ângulos não divulgados, a partir da sua demissão do cargo de professor da antiga Faculdade de Filosofia de Natal, me disse recentemente que muita gente indagava os porquês dos meus artigos "contra' Cascudo publicados na imprensa natalense. A demissão teria partido de Hélio Galvão, mas até hoje não encontrei nenhum documento comprobatório dessa demissão, mas o meu ex-professor do curso de jornalismo continua afirmando que houve a demissão, no inicio do governo de Aluizio Alves. Ao dileto e bonachão amigo respondi que nunca houve inimizade entre os meus pais e Cascudo, que sou admirador dele e que fiz aqueles artigos "contra" Cascudo por sugestão dele. Mas isso é outra história.
Foi em 1957, que vi o folclorista Luís da Câmara Cascudo, o ícone do pensamento conservador do Rio Grande Norte, pela primeira vez, na residência dos meus pais, na rua Felipe Camarão, 453, Cidade Alta. Eu tinha oito anos de idade. A casa era grande, cerca de 8 quartos, sala de jantar espaçosa, alpendre e um frondoso cajueiro na frente, reformada por volta de 1960, sem luxo. De moderno, somente uma radiola que tocava discos de Amália Rodrigues e Osni Silva. A casa era grande e bastante freqüentada pelos amigos e amigas da família que, muitas vezes, chegava gente do interior, a pé, vindo da Ribeira, com malas e bagagens, pedindo quarto para alugar. Pensavam que ali era um hotel.
Então, numa noite de maio de 57, no Dia das Mães, após a minha mãe, Maria Natividade Cortez Gomes, então com 44 anos, recebeu o título de Mãe do Ano – ela tinha 17 filhos - , em solenidade realizada nos estúdios da Rádio Nordeste, muitas pessoas foram para a nossa casa. A promoção foi da jornalista Luiza Maria Dantas, cronista social, com apoio da Prefeitura e do Governo do Estado. Não sei como Luiza Maria escolheu dona Nati como a Mãe do Ano, mas soube muitas mães de famílias numerosas participaram do concurso. A mãe que obteve o segundo lugar foi a esposa do dr. Otto de Brito Guerra, dona Selda Guerra. O prefeito Djalma Maranhão e o escritor Luís da Câmara Cascudo foram participar da festa que o meu pai, Manuel Genésio, ofereceu a diversos convidados, na sua maioria familiares, parentes e amigos. O poeta Jaime Wanderley, um homem sorridente, galego, de olhos azuis, estava lá, com a sua simpática esposa, representando o Governador Dinarte de Medeiros Mariz, de quem o meu pai divergia politicamente. Minha mãe foi premiada com um estojo de louça. ( O poeta Jaime dos G. Wanderley fez a entrega do prêmio no estúdio da Rádio Nordeste, fato registrado pela imprensa).
Não sei porque "cargas d'água", Cascudo, sentado numa cadeira espaçosa da segunda sala da casa, perguntou ao meu pai o que achava da presença do prefeito Djalma Maranhão ali. Djalma era considerado um notório comunista, envolvido na insurreição de novembro de 1935. Manuel Genésio, ex-integralista e anti-comunista juramentado. O meu pai não contava com a presença do prefeito em sua casa. A festinha não passou da meia-noite, mas, em dado momento, Cascudo perguntou : "E aí, Manuel, como você está vendo a presença do prefeito em sua casa?". "É, ele já está aqui, que fique", foi a resposta de Manuel Genésio. Cascudo, que segurava um copo ( não se com guaraná ou uísque), sorriu e ficou conversando amenidades, isto é, sobre aquela ruma de meninos e meninas que se encontravam ali, olhando para eles. Parte da meninada da rua Felipe Camarão estava lá. Bebidas e tira-gostos foram servidos. Quando a festa acabou, fomos dormir nas esteiras de agave (sisal).
A segunda vez que avistei Cascudo foi no auditório da Reitoria da Universidade, em 30 de agosto de 1966, onde o ministrou um curso sobre Cultura Popular no Brasil, patrocinado pelo Serviço Cultural da Secretaria de Educação e Cultura do Estado (Ilma Melo Diniz era diretora do SC da SEC e Jarbas Bezerra o secretário de educação). O auditório estava lotado e me recordo que estavam lá Inácio Sena, o jornalista Celso da Silveira, que ria muito com a comicidade de Câmara Cascudo. Me lembro que Cascudo falou que os originais de um livro seu, Civilização e Cultura, estava extraviado, "mas eu vou publicá-lo" (risos). Na verdade, uns dois ou três anos depois os originais foram achados e publicado o livro. A platéia riu muito quando ele disse que houve um movimento para tirar o general Napoleão Bonaparte, preso na Ilha de Santa Helena, e trazê-lo para a Barra de Cunhaú, em Canguaretama/RN. Outras pessoas se levantaram, rindo, e se retiraram. E não se falou mais em Napoleão.
Creio que foi em 1965 que Cascudo foi chamado de mentiroso por um homem, vestido de paletó, quando proferia uma palestra no Instituto Histórico, na rua da Conceição. Nesse tempo, Enélio Petrovich já o presidente do Instituto. O homem tinha voz "grossa", meia "tonitroante". Cascudo estava falando na tribuna quando o salão foi perturbado pelo grito do homem, a partir de uma janela do Instituto, ao lado da entrada. Eu tinha ido com os meus pais; estava sentado ao lado da minha mãe, quando ouvi o grito. Eu me virei para ver quem tinha gritado, mas não vi o rosto do homem. Minha mãe me disse: "foi o professor Esmeraldo". Cascudo não se alterou, continuou falando. Ninguém deu a mínima. Na manhã do dia 18 de setembro de 2000, na entrada da Biblioteca Central do Campus, me encontrei com Juliano Siqueira, filho de Esmeraldo Siqueira e contei o episódio. Juliano disse que o fato era procedente, mas quem tinha gritado tinha sido Milton Siqueira, seu tio, e não o seu pai. Esmeraldo e Milton eram irmãos, poetas e usavam paletós.
Em 1966, na Escola Industrial de Natal - EIN, Cascudo deu uma palestra para os alunos, após receber uma comissão de alunos na sua casa, na rua Junqueira Ayres. Ele disse: amanhã eu vou lá. Se preparem". Ele foi e fez a palestra sobre cultura e folclore, com o refeitório lotado. Foi uma zorra, no bom sentido. Todo mundo ria com Cascudo. O que falou? Não sei. E dava pra saber depois daquela risadagem toda? A partir daí, passei a "piruar" algumas aulas de Cascudo na Faculdade de Direito, na Ribeira, onde também ouvi as risadas dos alunos (naquela faculdade, eu tinha uma amiga, Regina Coeli, com quem conversava muito sobre literatura).
Meus pais eram admiradores incondicionais de Luís da Câmara Cascudo. Meu pai, Manoel Genésio, militou com Cascudo, na Ação Integralista Brasileira, no RN, entre os anos 1933/1937, movimento criado pelo escritor Plínio Salgado, um dos expoentes da Semana de Arte Moderna de 1922. Minha mãe, por exemplo, colecionava os recortes da Acta Diurna, de Cascudinho publicados nos jornais A República e Diário de Natal, ao longo das décadas de 40 e 50. Cascudo, Manoel Rodrigues de Melo, Manuel Genésio, dona Nati, morreram integralistas. Quando dona Nati publicou o seu livro "Diálogo das Estrelas", lançado na Livraria Universitária, na presença de Manoel Rodrigues de Melo, Ewerton D. Cortês, Antonio Othon Filho- Dr. Niton, Jaime Wanderley, Luiz Rabelo, Antidio Azevedo, Felipe Nery de Andrade, entre outros, Cascudo escreveu uma carta elogiosa para ela.
* Luiz Gonzaga Cortez é jornalista.
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