Objetiva divulgar memórias familiares, história da Ribeira, da cultura e dos costumes de Natal/RN,fotos,poesias,fragmentos do cotidiano escolar da matriarca Nati Cortez bem como de pessoas que desejarem publicar seus escritos.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Nos tempos do integralismo.
A choradêra é no fim...
domingo, 26 de dezembro de 2010
Araponga canta como
um espião trabalha?
Luiz Gonzaga Cortez Gomes (*)
Observando o noticiário da imprensa nacional , os seus estrangeirismos, as suas copiações, os seus modismos e suas frescurites, além dos artigos e ensaios sérios, proveitosos, históricos e/ou culturais. Diante da série de escândalos em diversas esferas , nos últimos meses, o me chama atenção é o emprego da expressão "Araponga" para designar o agente público ou privado que se dedica a investigações policiais, a ações de espionagens legais e ilegais. Sobre esses agentes policiais e militares dos DOPS e DOI-CODI e similares, a imprensa alternativa, no final dos anos setenta do século passado, criou o apelido pejorativo de "dedo duro", objetivando menoscabar o trabalho desenvolvido pelos "agentes secretos" do regime. Com o fim do regime autoritário, a imprensa começou a tachar os espiões do governo (da ABIN, PF, polícias civis e militares de todo o Brasil, sem distinção) de "araponga". Bom, eu fiquei matutando: qual a similaridade da ave (a araponga é nosso ferreiro, o sabiá, segundo um especialista) com o trabalho do espião que, no meu entendimento, trabalha em silêncio, clandestina e anonimamente? A araponga é uma ave de canto estridente e metálico.
Você duvida? Então, leiamos o mestre Aurélio, na página 106 da 6ª edição do seu Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa (exe. s/d): "Araponga, s.f. (Bras.) Ave da família dos Cotingídeos (Chasmarhyneus nudicolis), também chamada ferreiro e ferrador, notável pelo som metálico do seu canto; (fig.) pessoa de voz estridente ou que fala gritando". Alguma dúvida, ainda? Como, então, fazer-se a comparação? Estou procurando a resposta. Procurei encontrá-la nos versos da música de Penas do Tiê, graças a ajuda de Eugênio Lima, quase doutor quase em música. "Vocês já viram lá na mata a cantoria da passarada quando vai anoitecer/ E já ouviram o canto triste da araponga anunciando que na terra vai chover.
Já experimentaram gabiroba bem madura, já viram as tardes quando vai anoitecer
E já sentiram das planícies orvalhadas o cheiro doce da frutinha muçambê...". A composição é de Keckel Tavares, foi gravada por Luís Gonzaga e Fagner (este está sendo processado pela família de Heckel por plágio). Não achei nenhuma analogia. Procurei em vários sítios da internet, nada. O leitor vai se deliciar com as referências à araponga. Há um sítio que informa sobre plumagem, hábitos, alimentação e cuidados com a araponga, sendo que um deles aconselha a criar a ave em cativeiro, pois" a plumagem é bonita e fica muita mansa". "Araponga é conhecida em todo o Brasil pelo seu grito alto e estridente. Fora de São Paulo, em outras regiões do país, ela é conhecida por Guiraponga, Ferreiro ou Ferrador, sendo que esses dois últimos nomes vêm do seu grito, que imita com perfeição o trabalho de um ferreiro, primeiramente com uma lima e a seguir com a batida estridente de um martelo sobre a bigorna. O nome araponga é indígena e vem de ara (ave) e ponga (soar)". No Brasil, há as espécimes procnias nudicolis, desde a Bahia ao Rio Grande do Sul; as procnias averano (Roraima e Nordeste), cujo habitat natural são as árvores (as arapongas não gostam de descer ao chão). Elas são bonitas: tem as asas pretas, peito branco, cabeça marrom e vários apêndices carnudos que "nascem" do seu pescoço como se fossem barba, de onde vem seu nome popular de "Araponga de Barbela". A terceira espécie é a procnias Alba, que habita o Amazonas na região do Rio Negro , mas pouco se sabe sobre ela. O potiguar pode procurar araponga nas poucas matas do litoral. Em Natal, o ecologista pode armar o seu "alçapão" no antigo Morro das Almas, hoje apelidado de Parque das Dunas. Coisa muito fácil de fazer. O natalense Alberto Lima de Souza, médico, parente meu, criador de passarinhos desde a infância, disse que na mata do Tirol podem ser encontradas ferreiros e sabiás, "aves da mesma família, da família dos Cotingídeos (Contingidae. É o Procnias nudicolis. È provável que tenha habitadoem tempois idos a nossa mata atlântica, enquanto existiam frutas de sua alimentação, Já os sabiás são aves mais delicadas nos hábitos e no canto mavioso. São da família dos Turbídeos (gênero Turdus, família Turdidae). Há uma outra ave da família Mimidae, Imitador), conhecido como sabiá da praia (Mimus saturninus). Este é encontrado facilmente nas nossas praias, gostando mesmo do convívio humano. Defronte a casa de Regina (irmã de Alberto) vislumbrei um que cantava como ninguém. Em Natal, nas matas do Tirol, habitam em profusão duas espécies de Turdus: o Turdus amaurocalinus ( sabiá de bico amarelo, sabiá poca) e o Turdus fumigatus (sabiá da mata), o sabiá que vovó chorava quando ouvia o canto. Na nossa casa em Tirol, havia um ipê roxo que era habitado por um sabiá da mata que cantava como nenhum. Era este que vovó Zefinha evocava e imitava o canto, talvez se lembrando de episódios da sua infância. O sabiá laranjeira (Turdus rufiventris) também existe no Rio Grande do Norte, em sítios e fazendas, habitando capoeiras e fazendo seus ninhos próximos das habitações humanas. Bem, meu caro Gonzaga: é o que lhe posso informar por enquanto. Um abraço grande e sempre ao seu dispor. Do primo que lhe quer bem. Alberto Lima".
Também consultei o professor e linguista Roberto de Souza Lima, irmão de Alberto, outro homem que, além de compositor, músico, cantor e intelectual, sabe história geral. À minha pergunta sobre espionagem e arapongagem, no Brasil, ele respondeu o seguinte: "Sabemos que na Europa, desde muitos anos, o FALCÃO foi utilizado para enviar mensagens,algumas até codificadas, para evitar o seu conhecimento, caso a ave caísse em mãos inimigas. Essas aves, posteriormente adestradas até para a espionagem. Com a organização das "Inteligências", muitos agentes, por analogia, passaram a receber codinomes tipo: Falcão Dourado, depois "Á guia Azul", etc. Por uma mera conjectura, acredito que ARAPONGA seja apenas uma versão tupiniquim para denominar os agentes espiões, uma vez que essa ave é tipicamente brasileira. Grande abraço. Roberto Lima".
Cabe ao leitor tirar suas deduções. O que tem a ver araponga com um espião armado, desarmado, com gravadores, grampos para escutas telefônicas, malas de 30 mil dólares para escutas ambientais, binóculos e lunetas de longo alcance, carros com placas frias e películas fumês, novos e turbinados? O que tem a ver uma ave que vive sobre árvores, em áreas próximas ao litoral, com ar puro e se alimenta de frutos nativos com agentes da segurança
Interna e externa, com fones nos ouvidos, ouvindo as conversas alheias, com ou sem autorização judicial, no interior de salas com ar-condicionado? Você sabe?
*Luiz Gonzaga Cortez.
É jornalista e pesquisador.
O Pássaro Branco.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Maria do Céu, uma curraisnovense de caráter.
Maria do Céu não viu aparecer
nenhum herói na insurreição
Luiz Gonzaga Cortez *
No dia 21 de abril de 1987, Maria do Céu Pereira Fernandes, que foi a primeira deputada estadual do Rio Grande do Norte, irmã do falecido ex-governador José Cortez Pereira de Araújo (filha de Olindina Pegado Cortez, irmã da minha avó paterna), prima legítima do meu pai, Manoel Genésio Cortez Gomes, me concedeu uma entrevista na residência do seu filho Paulo de Tarso, em Natal, publicada no extinto semanário Dois Pontos. Eis o teor da entrevista:
Como a sociedade recebeu o lançamento da sua candidatura pelo Partido Popular?
MC – Naquele tempo, eu fazia o que queria. Lia livros proibidos, inclusive sobre comunismo e Freud. Sobre comunismo, por exemplo, eu li muito, mas não aceitei a ideologia. Mas sobre a receptividade da minha candidatura posso dizer que os remanescentes do tradicionalismo não aceitaram. Houve um certo impacto no começo, mas depois a Igreja aceitou. Não houve choque nenhum, todos aceitaram.
E o seu pai, político tradicional e conhecido coronel da política de Currais Novos, como viu a sua candidatura?
MC – Eu tinha 24 anos naquela época. Sou de novembro de 1910. Papai não queria que eu fosse candidata, mas não tomei conhecimento porque o que eu fazia era o que achava certo. Veja bem, em 1934, eu tinha amigos e amigas, o que não era comum naquele tempo. Com amigos, eu passeava e viajava. Você já pensou uma mulher de 24 anos passear na cidade com amigos? Passeava com Mário Porto, Eider Trindade e outros grandes amigos. Fui eleita com o apoio do meu pai, Vivaldo Pereira, e do meu noivo, Aristófanes Fernandes.
Logo após a eleição dos deputados para a Assembléia Constituinte Estadual ocorreu a revolta dos cabos e soldados do 21º Batalhão de Caçadores do Exército, em Natal. Como a sra. viu a revolta?
MC – Até gostei de ter havido a revolução comunista. Eu gostei que os comunistas tivessem se rebelado. Gostei porque eles eram idealistas, mas não porque quisesse participar, não. O Brasil estava se tornando horrível. Lendo o livro "Olga", de Fernando Morais, a gente fica sabendo como os comunistas eram idealistas, mas não tinham meios, coitados, de dominar o Brasil. Como eles iriam vencer num país-continente como o nosso? Como iriam arregimentar gente e recursos para que pudesse haver um congraçamento de norte a sul? Se eles tivessem se levantado de norte a sul, teriam conseguido a vitória. E foi bom assim porque o povo brasileiro não está preparado para o comunismo. Ainda hoje o Brasil não comporta o regime comunista, mesmo com toda a miséria e ignorância.
A sra. tem alguma admiração pelo comunismo?
MC – Há muita coisa que não aceitamos no comunismo da União Soviética e de Cuba. Eu tenho uma admiração e entusiasmo por Fidel Castro. Cuba não é o regime ideal, mas só o fato de Fidel tirar o povo da situação anterior já é grande coisa.
A sra. era de direita?
MC – É, eu era de direita total. Hoje sou de esquerda. Meu pai era um homem de direita, de muita autoridade, mas eu não baixava a cabeça pra ele; ele me ouvia e não discutia comigo, mas era um tipo de patriarca. Embora como pai tivesse ternura pelos filhos, mantinha uma certa distância de nós. (Em 1924, perdi a minha mãe e passei a confiar mais no meu pai).
Que lições tirou desse período?
MC – Casada, procurando aproveitar uma outra situação, escondendo o real, aprendi a "engolir" alguns fatos, a aparentar outra coisa, aquilo que não estava mais vivendo. Quase fico maluca (risos). Não tenho porque alimentar minhocas, cheguei aos 76 anos de idade e não há mais o que mudar. Boto tudo pra fora o que sinto. E vou continuar assim, embora ache que esteja perto de terminar.
Que conselhos a sra. daria às mulheres de hoje?
MC – A mulher deve ser rebelde até certo ponto. Quando ela está convicta que seus objetivos estão certos, deve lutar até o fim. Apesar de sempre ter sido uma mulher rebelde, eu vivi muito bem com o meu marido.
E a política daquele tempo?
MC – Naquele tempo se pensava em fazer alguma coisa pelo povo, mas isso já era utópico. Quando se entra no governo, a gente pensa muito pelos pobres. Por isso, aconselho Geraldo Melo, em que não votei porque não me recadastrei, que olhe mais para quem não tem e olhe menos para quem tem muito. Hoje só se faz política com muito dinheiro, só se elege quem tem dinheiro. Naquele tempo, os coronéis mandavam na política, mandavam votar em quem eles queriam, mas não se comprava votos. As campanhas eram bonitas. Fazíamos campanhas e comícios em cima de caminhões. E assim a gente falava para o povo e pedia votos.
A história registra que a campanha política de 1934 foi muito agitada. Há o famoso episódio do tiroteio de Parelhas que redundou numa morte.
MC – Eu não fui a Parelhas, fiquei em Acari. Por isso, não posso falar sobre esse tiroteio.
E o governo Mário Câmara, antecessor de Rafael Fernandes, cuja administração a sra. apoiou como membro da bancada do Partido Popular?
MC – Se foi um período de violências, eu não sei. Acho que houve alguma violência, mas há muitas controvérsias sobre isso, não é? Houve o caso do assassinato do filho de Juvenal Lamartine, Otávio, mas um grande amigo meu constituinte daquele tempo, rebate essa acusação de que Mário Câmara foi o responsável. Fomos obrigados a ir para a Paraíba, por causa da tensão reinante em Natal. Na Paraíba, o governador Argemiro Figueiredo, recebeu e hospedou os 14 deputados do Partido Popular. Forças federais garantiram o regresso a Natal, que encontramos deserta. Aqui, os 14 deputados ficaram hospedados na casa de Alberto Roselli, amigo nosso. A casa ficava no Grande Ponto e, no dia seguinte, muita gente querendo nos ver. Ficamos na casa de Alberto Roselli até o dia da votação indireta na Assembléia Legislativa, que funcionava na rua Junqueira Ayres, onde hoje está a Ordem dos Advogados. A eleição dos deputados foi muito agitada, mas a eleição de Rafael Fernandes foi pacífica. Os catorze deputados ficaram unidos e coesos e elegemos Rafael Fernandes por um voto de maioria. Foi uma vitória sofrida e bonita. Depois da votação, saímos do prédio da Assembléia para buscar Rafael Fernandes. No meio desse povo, eu era a única mulher.
A sra. recebeu ameaça de morte?
MC – Bom, na época da campanha houve algumas ameaças. Por três vezes, entraram na minha residência para me seqüestrar. Uma vez senti que um homem estava no banheiro da minha casa e gritei. As pessoas que estavam em minha casa viram o homem pulando o muro e desaparecer, na rua 13 de Maio (hoje Princesa Isabel). Em seguida, forças federais vigiaram a minha casa até 1935.
Acredita que as demissões de guardas civis, nomeados por Mário Câmara, precipitaram a insurreição do 21º BC?
MC – A insurreição de 35 não foi eminentemente comunista. A coisa já vinha lá do sul, mas aqui anteciparam um pouco, pois não era para estourar no dia 23 de novembro. Essa antecipação favoreceu o governo de Getúlio Vargas, pois se eles estivessem articulados de norte a sul, acredito que não teria fracassado. Mas voltando ao caso das demissões dos guardas civis, creio que eles favoreceram a rebelião. Na época, eu disse ao monsenhor Mata (presidente da Assembléia Legislativa e membro do PP): "Sou uma pessoa disciplinada, mas não aceito certas coisas. Eu não sou uma ovelha que segue um só rebanho para deixar de lado a minha discordância com as demissões. Quanto a antecipação da revolta por causa das demissões feitas pelo governador Rafael Fernandes, não posso garantir, mas pode ter influenciado. Foram mais de 300 pais de famílias demitidos em poucos dias.
Chegou a ver atos de heroísmo durante a revolta?
MC – Não. Quando estourou a revolução eu estava no Teatro Carlos Gomes. Fui obrigada, muitas vezes, a me arrastar e me esgueirar no meio do mato. Chegamos na casa de José Mesquita, na avenida Deodoro, onde hoje fica o edifício Chácara 402. Passamos o resto da noite lá e, de manhã cedo, caminhamos para a praia do Meio. Durante o governo revolucionário não sofremos nada, não sei porque. Sabíamos que um dos líderes da revolução era José Macedo, natural de Santana do Matos e, parece, que ele mandou que a nossa família fosse respeitada. Dos quatro dias que passamos na praia só me lembro que faltaram alguns alimentos em Natal. Soube que alguns seguidores de José Augusto, do Partido Popular, em Macaíba, participaram da insurreição, mas não sei porque. Por ouvir dizer, em Macaíba, sei da participação de Alfredo Mesquita na insurreição. A insurreição comunista foi uma surpresa para muita gente. Eu lia muito e sabia que alguma coisa iria acontecer, mas que não rebentaria na noite do dia 23 de novembro de 1935. Quanto a heróis, desconheço que tenha aparecido algum em Natal, durante a revolução comunista.
*Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador.