sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Câmara Cascudo, um patriota


 


 

*Luiz Gonzaga Cortez


 


 


 

Na infância, através dos inúmeros recortes da Acta Diurna, coluna publicada no jornal A República, guardados com muito zelo pela minha mãe, dona Maria Natividade, comecei a ler os escritos do grande pesquisador e folclorista Luís da Câmara Cascudo. A maioria dos artigos é dos anos 40, estão guardados e sempre relidos e consultados, na minha residência, nesta província potengina. Meu pai era amigo de Cascudo e nunca ouvi falar em nenhuma desavença ou intriga entre os dois, pois ambos, na década de trinta, foram companheiros e militantes da Ação Integralista Brasileira-AIB. Ambos, Cascudinho, como assim minha mãe se referia ao intelectual na rua Junqueira Ayres, e Manuel Genésio, meu pai, foram chefes da AIB no Rio Grande do Norte. Através dos meus pais, fui levado a assistir as conferências de Cascudo no Instituto Histórico e Geográfico, já capitaneado pelo incansável Enélio Petrovich, no inicio da década de ´60. Nessas ocasiões, meu pai, trajando paletó, como era costume na época, seja lá qual fosse a temperatura, era cumprimentado pelo presidente do IHG e Cascudo, na entrada da instituição, ao lado do corrimão de ferro e madeira, onde Cascudo gostava de permanecer até o inicio da magna sessão. Assisti a muitas sessões e uma que chamou muita atenção foi a palestra proferida pelo general Muricy sobre o regime que se instalou no país após abril de 1964 e uma tal de "guerra revolucionária". O que chamou a atenção foi na noite em que as dependências do Instituto Histórico ficaram superlotadas pela fina flor da burguesia potengina (políticos, padres, empresários, intelectuais, etc) e lideranças sindicais.

Cheguei a escrever para o grande mestre do folclore brasileiro sobre cientistas e pesquisadores potiguares, recebendo algumas sugestões dele, mas até hoje não consegui recuperar as cartas de Câmara Cascudo, levadas para o 16º Regimento de Infantaria, no segundo semestre de 1968, pelos tenentes do Exército Adalberto e Oliveira, num "rapa" efetuada na rua Felipe Camarão, 453, em busca de provas para me acusarem de ser um perigoso agente comunista dentro do quartel.

Estou fazendo essas referências por causa dos comentários mentirosos que estão fazendo no "eixo da maledicência", como é conhecido certo trecho do centro de Natal, a respeito da capa do livro "Câmara Cascudo, o camisa verde", editado por nós em julho passado, que infectaram certas pessoas de bem, que não leram o livro ou não se preocuparam em averiguar a veracidade. A foto da capa é uma reprodução de um cartaz impresso na gráfica do Senado Federal, em Brasília, por volta de 1983, integrante de um conjunto de cartazes publicados pela Fundação José Augusto, dentro do programa "Documentos Potiguares", coordenado pelo sociólogo Leonardo Barata. A foto é de Cascudo ao lado de outros integrantes da AIB/RN, todos com camisas verdes, gravatas pretas e o sigma no braço, como o advogado Eider Furtado viu no bairro do Tirol, por volta de 1936 e descreve algumas cenas dos integralistas exercitando fisicamente ("Audiência de um tempo vivido", Natal/RN, ed. do Autor, 2004), p.41). Não sei se Eider Furtado viu bigode em Cascudo. Na foto, Cascudo está com bigode igual ao usado pelo escritor católico Plínio Salgado, aí por volta de 1934/35, que muitos confundem com o bigode de Adolf Hitler. O bigode de Hitler era debaixo do nariz. Os bigodes de Plínio e Cascudo eram mais largos e espessos. A intenção do autor não foi mostrar um bigode hitleriano em Cascudo, que nunca foi nazista. Cascudo pode ter sido germanófilo, talqualmente como quase toda a intelectualidade brasileira, inclusive a cúpula do Exército Brasileiro e o próprio ditador Getúlio Vargas, hoje largamente incensado por setores da esquerda trabalhista. Naquela época, a Alemanha era a nação mais desenvolvida, militar e tecnologicamente. Os pais ricos mandavam seus filhos estudar na Alemanha, como foi o caso do norte-rio-grandense Raul Fernandes, médico, que aperfeiçoou seus conhecimentos na pátria de Hitler.A admiração pela Alemanha durou até o inicio da Segunda Guerra. Luiz da Câmara Cascudo não poderia ser admirador dos nazistas. Primeiro, porque Plínio Salgado fez duras críticas ao nazismo, em 1936, por causa das perseguições que os católicos e judeus alemães sofriam da polícia política, na Alemanha, sob o silêncio e a omissão das potências européias. Quem apoiou o nazismo, do começo ao fim, foram os luteranos que, nas zonas rurais, forneceram os jovens guardas dos campos de concentração. Segundo, o integralismo existiu de 1932 a 1937. Terceiro, a partir de 1941, quando o Brasil se aliou aos norte-americanos, Câmara Cascudo foi o Chefe do Serviço da Defesa Passiva Anti-Aérea de Natal, que treinava e congregava a população civil para o caso de um possível ataque aéreo dos alemães que estavam acantonados no norte da África. A "Defesa Passiva" era intimamente ligada aos comandos militares brasileiros e americanos. Se Cascudo fosse nazista ou admirador de Hitler, naquela época, seguramente, ele não teria sido chefe da "Defesa Passiva". Os americanos não iriam aceitá-lo, claro. A versão de que os espiões americanos (protestantes) relataram ao FBI que Cascudo era germanófilo é outra história suspeita porque foram inventadas nas mesas de bares da Ribeira e por informantes que eram pingunços contumazes que queriam mostrar serviços à inteligência militar americana.

Além de grande folclorista e pesquisador pioneiro, Luís da Câmara Cascudo, por ter atuado na Ação Integralista Brasileira, uma organização conservadora, de direita, nacionalista e cristã, que sofreu influência do fascismo italiano (que iniciou o totalitarismo de direita), sob o beneplácito da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, pesquisado a cultura popular brasileira como um grande repórter, mesmo sem a utilização de critérios científicos, foi um patriota, um homem bom, querido por todos, em qualquer parte da cidade, em qualquer ambiente social, nos clubes sociais da pequena burguesia ou na baixa Ribeira. Foi um homem pecador como todos nós, pois nesta taba potengina não há nenhum santo nem gênio. Gênio, nunca tivemos nenhum. Foi um grande intelectual, talentoso, inteligente, capaz de proferir conferências durante horas sem um roteiro prévio, pois falava de improviso, em português, sua língua pátria (aqui e acolá ele gostava de citações em francês). A sua produção intelectual supera os possíveis erros políticos. Foi integralista e morreu integralista e o dr. Clóvis Travassos Sarinho garantiu isso em 5 de dezembro de 1991, em palestra proferida no Instituto Histórico, com a presença dos seus filhos Fernando e Ana Maria, inclusive ( e está gravado), ocasião em que disse "Jamais renegou suas idéias. Jamais ocultou seu passado integralista. Participou dos 25 anos da AIB, no dia 7 de outubro de 1957, em Natal, prestigiando com a sua presença a sessão solene.Assinou Idade Nova e A Marcha" ( publicações integralistas e do PRP que circularam nos anos 50 e 60). Cascudo foi integralista, sim, nazista, não! Quem diz o contrário, não sabe nada da nossa história. Para encerrar, como diz Ademar de Araújo Valente, o resto é merda , sabão e breu. Tenho dito.


 

*Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador.

Um comentário:

Rejane disse...

O título da matéria sobre o livro dos irmãos Fred e Carlos Sizenando Rossiter é "Um livro sobre Natal dos bons tempos". Desculpe a falha na digitação.
Luiz G. Cortez.